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A previsão nossa de cada dia não faz(erá) milagre.

Em entrevista marcada por um tom de desconfiança por parte da repórter do canal Globo News, uma das maiores audiências do país,  ao gestor de Carnaval da Riotur, que dispondo de dados sobre a demanda dos foliões no Carnaval passado, mostrou que as expectativas da secretaria de turismo do Rio de Janeiro foram quase todas superadas esse ano.

Ao invés de se comemorar o sucesso de público, a tônica da entrevista foi sobre como pode a RioTur errar em quase todas as previsões do número de pessoas que frequentaram os blocos, problema este que leva a uma estrutura a quem, gerando filas demoradas para o banheiro, congestionamento humano, e desconforto para os foliões.

O que parece um erro imperdoável da RioTur se torna uma caricatura de como o indivíduo representativo acredita que a previsão é algo exato (determinístico) e tendo fé nisso, basear todas suas decisões em tal previsão. Primeiramente é preciso entender que a previsão é um processo de natureza incerta. Ela é feita quase no escuro, com base em informações incompletas e muitas vezes erradas, pois os dados coletados em 99% dos casos possuem os chamados erros de medida.

A repórter se fosse escalada para cobrir a pauta econômica iria enfrentar sérios problemas cardíacos com as pífias previsões de nossos especialistas sobre o crescimento do PIB, juros, inflação, câmbio, desemprego e etc. Ficaria horroriza em saber que todas estas dependem de um parâmetro importantíssimo, que é o intervalo de confiança e o grau de confiança associado a este. Teria que entender como este é feito e o que significa.

Por exemplo, se em uma eleição diz-se que certo candidato tem 45% das intenções de votos com um intervalo de confiança (margem de erro) de 2 p.p. para + ou -, com 95% de confiança, isso não significa que com 95% de certeza que o percentual de votos do candidato estará entre 43% e 47%. Afinal de contas, em um intervalo de confiança o parâmetro estimado é o próprio limite do intervalo com base em uma estatística, cujo valor ainda é desconhecido. Ou seja, a leitura é que, o intervalo construído em 95% dos casos contempla o verdadeiro parâmetro populacional (ainda desconhecido).

Além disso, geralmente para se fazer uma previsão é necessário ter uma função para a média condicional do verdadeiro parâmetro. Essa função geralmente leva em conta valores amostrais observados ao longo do tempo e toma com base uma forma funcional que produz parâmetros a serem estimados. Mas a cada novo ciclo amostral é possível que os parâmetros da forma funcional mudem na medida que o comportamento da distribuição dos dados mude, gerando o que é chamado de quebra estrutural.

Confiar em previsões de maneira cega é um erro bastante comum de quem ainda não se iniciou no mundo da probabilidade e estatística. O perigo desse erro é que leva as pessoas a erroneamente depositarem uma crença muito acima da verdadeira validade da previsão e, então, tomam decisões que podem afetar suas vidas. Acreditando que o processo gerador de dados universais pode ser determinado como um caminho único e sem erros. E que alguém bem instruído poderia descrever esse caminho. Pensar assim é o mesmo que acreditar em bola de cristal e em ciganos.

Segue abaixo a entrevista

http://g1.globo.com/globo-news/carnaval-2017/videos/t/carnaval-pelo-brasil/v/blocos-do-rio-superam-expectativa-de-publico-e-geram-debate-sobre-como-organizar-a-folia/5688857/

e um link de como a previsão pode ser perigosa.


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