Comentando e debatendo o estudo do Banco Mundial o Jornal Nacional ouviu especialistas na área de economia e educação para tentar desenhar um cenário do atual quadro do funcionamento das universidades públicas no Brasil. Um quadro mal desenhado, no entanto, foi feito pela edição do JN, que ao ouvir grandes pensadores sobre educação e gestão acabou dando margem à polêmica do financiamento do ensino, em um Fla x Flu entre gratuidade universal vs. fechamento das Univ. Públicas.
Essa dicotomia sobre o financiamento do ensino não é em preto e branco. Não há um sistema puro que seja o ideal. Na realidade ambos os lados defendem que o atual sistema não está correto, uma vez que gera desigualdade, bem como falta de recursos em áreas estratégicas. A comparação, no entanto, entre o custo médio no ensino universitário privado e o ensino universitário público é descabida.
O descasamento da comparação se deve principalmente pela diferença grande no portfólio de cursos oferecidos entre as instituições. Além disso, há um grande hiato entre a qualidade média, mensurada pelo ENADE, entre os cursos privados e públicos. A universidade pública mantém cursos independentemente do custo, e portanto, os cursos mais caros como os da área da saúde, como medicina e enfermagem, que exigem a utilização de hospitais, bem como as engenharias que exigem a manutenção de laboratórios caros, possuem um custo muito mais alto vis à vis cursos na área de humanas e ciências sociais, como direito e administração que polvilham a cada esquina, ofertados pelo setor privado dado seu baixo custo e relativo interesse social.
A principal questão, no entanto, é que o modelo atual de financiamento é desigual, ineficiente e merece ajuste, e já nasceu assim. Os primeiros cursos superiores no Brasil foram fundados por D. João VI, em 1808 com a chegada da família real portuguesa ao país. Neste ano, foram criadas as escolas de Cirurgia e Anatomia em Salvador (hoje Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia), a de Anatomia e Cirurgia, no Rio de Janeiro (atual Faculdade de Medicina da UFRJ) e a Academia da Guarda Marinha, também no Rio. Dois anos após, foi fundada a Academia Real Militar (atual Escola Nacional de Engenharia da UFRJ).
Notem que todas os curso ainda se mantém, e são cursos que possuem até hoje as melhores avaliações do Brasil. Indicando que em termos de qualidade a coisa pública consegue funcionar. Mas notem também que, até bem pouco tempo, eram cursos destinados integralmente a uma elite nacional. E até hoje, grande parte do acesso ainda pertence a grupos sociais que estão bem acima da renda média per capita brasileira. O que isso indica?
Há espaço para reformar o financiamento, que é o principal gargalo atualmente, e é sobre isso que versa o estudo do Banco Mundial. Não há uma só sílaba que pode ser entendida como fechar as universidades. A polêmica gerada, mais uma vez é fruto da desinformação e da parca leitura de grupos que nunca acessam os dados primários na hora de levantar discussões.
Uma proposta que parece ser a mais sensata é a que visa acabar com a dinâmica social de uma elite ser sustentada pelo resto. Mesmo quem estuda em ensino público, pode apresentar uma grande diferença. Afinal, os IFF´s, colégios militares, Pedro II´s e colégios de aplicação são escolas que pertencem ao sistema público, e possuem qualidade, e viés social muito acima da média. Portanto, a questão do financiamento não parte necessariamente da origem do aluno, e sim sua condição socioeconômica.
Além disso, há no Brasil uma facilidade grande em escamotear renda, profissionais liberais podem ter acesso a uma renda consubstancial, mas informal, o que faz com que o controle das universidades sobre o perfil social do aluno seja pequeno. E, além disso, informar uma renda mais baixa do que a realidade, para ter acesso a programas como o FIES e o Prouni, não é entendido como um crime ou uma infração grave. E isso tem que mudar.
O autofinanciamento é a melhor forma de um indivíduo demonstrar o quanto valoriza a educação. Seja um autofinanciamento a tempo presente, pagando pelo ensino, ou a tempo futuro, sendo financiado e tendo que pagar o empréstimo na medida em que já se encontra empregado, como é o caso do FIES. Não há espaço nessa discussão para a ideia de que o público é gratuito. Em tudo há custo, e ninguém melhor que o próprio beneficiário para custear esse gasto.
Uma ajuda governamental, no entanto, é salutar. Há um grande problema econômico percebido pelo fato de que indivíduos mais pobres escolhem estudar menos. Na realidade a melhor forma de mensurar o quanto um indivíduo irá estudar é a escolaridade de seus pais. Portanto, há um viés social na escolha do quanto estudar, independentemente do nível de habilidade dos indivíduos. E, mesmo com um alto retorno pela educação no Brasil, a escolha de estudar pouco pode não ser tão irracional, uma vez que estudar mais, com uma qualidade menor, pode ter efeito negativo na renda dos indivíduos. Afinal, quantas pessoas vocês conhecem que escondem possuir curso superior quando estão desempregadas?
A recomendação é que cursos com alto interesse social devem ser subsidiados, assim como todo e qualquer bem que gere externalidade positiva, como a educação básica, sistema de saúde público e segurança pública. Mas esse subsídio deve obedecer uma racionalidade. E espero ter dado uma pequena explicação do porquê esse Fla x Flu entre gratuidade universal e fechamento das Univ. Públicas não interessa a ninguém que seja bem intencionado.
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