Pular para o conteúdo principal

PL 4330 - Terceirização: Uma lei que chega para modificar ou apenas regimentar o que já existe?

Após alguma reflexão, e tendo em mente que nossos representantes na câmara obedecem uma agenda política e não uma técnica, me vejo na posição de tentar fazer uma breve reflexão sobre o assunto. A questão primordial é a da terceirização da atividade fim. Primeiro o que é isso? E como funciona as outras atividades, já passíveis de serem terceirizadas?

Um fato estilizado da terceirização nas empresas é que os funcionários ditos terceirizados obedecem um regime de trabalho diferenciado. Ao que parece, trabalham mais, percebem menores salários e menores benefícios do que os funcionários de "casa". Contudo, a PL 4330 visa reduzir essa discrepância, pois em seu texto é contemplada esta questão: Nas dependências da contratada, esses trabalhadores terão direito a mesma alimentação da contratante, quando oferecida em refeitório; direito de utilizar os serviços de transporte, atendimento médico ou ambulatorial existente, treinamento adequado e acesso às mesmas condições de higiene e segurança.


Parece pouco, mas pode reduzir as assimetrias, e principalmente a sensação de assimetria. Esta última que gera ainda mais estigma para a posição dos terceirizados. Imagina você não poder se sentar ao lado no refeitório de um colega de trabalho, apenas porque você é terceirizado. Isso hoje em dia é permitido, acha isso justo?


Divagando mais um pouco lembrei das estatísticas de acidentes de trabalho levantadas pelos sindicatos, contrários ao PL, de que há um índice maior de acidentes em favor dos terceirizados. Pois bem, hoje apenas atividade meio pode ser terceirizada, porém, ainda não falaram isso para o setor da construção civil, que teve um crescimento nos últimos anos expressivo, o qual subcontrata inúmeras partes do seu processo de produção. Contudo, qual é a atividade fim da construção civil? Para mim, mero leigo no setor, é fazer uma obra, ou seja: projetar, construir e entregar. Contudo, cada uma dessas etapas são subdivididas de forma que fica impossível entender quantas empresas de fato são responsáveis pela obra final (vide o caso do antigo Estádio João Havelange, atual Milton Santos, o qual passa por obras de reformas nas estruturas, onde ninguém foi responsabilizado pelo erro de projeto, dado o emaranhado das subdivisões), portanto, este setor é campeão de terceirização, só que escamoteada, e, portanto, como é um setor historicamente perigoso, seus funcionários sempre figurarão nas estatísticas de acidentes de trabalho.

Além disso, lembrei também das Organizações Sociais (OSs) responsáveis por gerir inúmeros hospitais públicos. Contratam, administram e recebem verbas públicas. Porém, como pode haver tal funcionamento, se a atividade fim dos hospitais públicos se confunde com o funcionamento das OSs? Ou seja, na prática, pelo menos na construção civil, e na saúde pública já existe a tal precarização das relações de trabalho, que, na minha opinião, sem a devida regulação pode gerar inúmeros prejuízos econômicos e sociais para o país.

Em relação à CLT, caso você perceba um salário bruto de 4365,30, seu salário líquido será 3534,17. Contudo, somando-se o 13 salário, que será 8730,60, que perfaz um salário em dezembro líquido de 6690,78, dá um salário anual líquido de 45.571,38 reais. Caso seu salário bruto total com os 13 salários de 4365,30, fosse divido em 12 meses, o que para o empregador não faz diferença, daria um salário bruto de 4729,08. Este faz um salário líquido mensal de 3816,10 o que faz um salário anual líquido de 45.793,20. Uma diferença de 221,82 reais, ou de 5% de um mês de salário a mais.

Esses descompassos, acontecem exatamente pela lei apresentar certa rigidez com base em determinados pontos. É inadmissível que alguém perca qualquer dinheiro, mesmo que 1 real, só porque ao invés de receber 13 salários ao longo do ano, recebe 11 salários e no último mês recebe 2 salários. Mas acontece, e o motivo é que o 13 salário geralmente incide sobre uma faixa maior de desconto (serve apenas para quem ganha até 4365,30). Além do mais, a terceirização não altera a CLT, mas apenas flexibiliza o regime de contratação, porém o funcionário ainda terá todos os direitos da CLT junto a sua empresa "mãe".

 A realidade de muitos que trabalham com empresas de consultoria/auditoria como Deloite, KPMG, Ernst & Young e Price é de trabalhar muitas das vezes como terceirizados em grandes empresas. Na Petrobrás muitos dos prejuízos que houve em 2014 seriam muito maiores se todos os funcionários fossem concursados, tirando é claro o grupo que é indicado politicamente para os alto cargos, esses poderiam muito bem ser terceirizados na faxina, ao invés de presidir empresas.

Segue abaixo uma planilha que me ajudou a fazer os cálculos no artigo:

planilha

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A regra do 69

Uma pergunta simples ronda os mais curiosos sobre investimentos: quanto tempo demorará para que eu dobre meu capital investido. Ou seja, se eu coloco 100 reais hoje, ou um múltiplo, quanto tempo terei que esperar para meu capital dobrar? Alguns textos mostram de forma rápida a chamada regra do 72, que significa simplesmente que o tempo será T=72/taxa, ou seja, suponha que a sua taxa de juros real hoje seja de 14.15% ao ano (selic), por essa regra, o tempo que você irá demorar para dobrar seu capital é de 72/14.15, que é igual a 4,96 anos. Mas como chega-se a esse resultado? A conta é simples, e está indicada abaixo. Porém a regra não é do 72, é do 69... Portanto, tem-se uma regra bastante prática para calcular um valor bastante intuitivo. O quanto eu preciso esperar para que meu capital dobre, a uma dada taxa de juros. Felizmente, no Brasil vivemos um regime de taxa de juros elevada, porém, geralmente a conta é contrária: "quanto tempo devo esperar para que a

O elefante e o circo e os investimentos em educação

Para cada 1 real investido, se tem como retorno R$ 4,88. Talvez uma das tarefas mais dispendiosas de um dono de circo seja treinar um elefante. O animal é extremamente forte, pesado (óbvio), come muito e difícil de lidar. Contudo, quase todo circo possui um elefante em seus números de adestramento. O porquê não é difícil de entender. O animal vive mais de 70 anos, e possui a maior memória entre os mamíferos terrestres. Portanto, a pesar do elevado custo de ensiná-lo, e de alimento e etc, o investimento inicial uma vez sendo implementado, o paquidérmico renderá 70 anos de shows impecáveis. A comparação pode parecer esdrúxula para alguns, mas o mesmo acontece ao ser humano, principalmente na primeira infância. A nossa capacidade de aprendizado é muito grande entre 2 e 5 anos, e podemos ter nossas habilidades cognitivias e socioemocionais impactadas de maneira bastante significativa. Obviamente não se faz mister que todas as crianças tenham pré-escola, mas o estimulo diário ao co

Porte de Armas: equilíbrio pareto ineficiente

A segunda emenda americana data de 1791, ou seja, final do século 18. Nessa data, as armas existentes não passavam de 1 tiro por vez. A invenção do revolver ocorreu em 1836 por Samuel Colt. Logo, a ideia do uso de armas para proteção e utilização para fins recreativos se deu em um contexto muito diferente do atual, onde armas como metralhadoras automáticas, permitem facilmente mais de 100 disparos com uma única arma sem a necessidade de recarregar. As armas são um importante instrumento de auto-defesa. Principalmente em um contexto no qual a segurança e a vida das pessoas estão à mercê de sociopatas e criminosos. Contudo, as armas que são utilizadas para a defesa à vida, podem ser utilizadas para ceifá-la. Para se ter uma ideia, olhe em baixo o perfil de armamentos que existiam na época da liberação das armas e analise e compare com os padrões de armamentos modernos. As duas imagens mostram um contexto totalmente desconexo um do outro. Enquanto que um indivíduo armado

Marcadores