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Venda de plantões e administração pública

Notícias que incomodam por revelar o que todo mundo sabe, demonstra a verdadeira hipocrisia que acontece no Brasil. A mais recente é a revelação - de algo muito antigo, porém facilitado pela tecnologia - que é a venda de plantões médicos. Funciona assim, um médico que precisa faltar ao seu plantão faz uma espécie de sub-contratação de algum outro, para cobri-lo, em eventual necessidade de falta.

É obvio que, para o médico que sub-contrata não existe grande vantagem, uma vez que ele abre mão da sua remuneração por um serviço que iria prestar, mas delegou a um terceiro. Contudo, caso este profissional não seja remunerado como acredita que deveria, e mais, como o mercado pagaria, ele simplesmente tem todos os incentivos do mundo para fazê-lo.

Na prática, os plantões são trocados por médicos mais experientes e melhores capacitados - geralmente já concursados, ou contratados - por médicos recém formados que precisam de dinheiro, e por isso, correm atrás dos plantões em finais de semana, véspera de feriados, sendo estes o mercado mais aquecido.

Porém, existe aí uma mensagem perigosa. Se um profissional aceita abrir mão da sua remuneração por um serviço em detrimento de outro. Primeiro, indica que o salário de reserva do primeiro é maior do que o do segundo. E, segundo, como o salário de reserva - o mínimo que ele aceitaria para prestar aquele serviço - é correlacionado positivamente com a experiência e escolaridade, os indivíduos mais capacitados são pouco a pouco retirados de tais plantões em detrimento dos menos capacitados e com menores salários de reserva.

O perigo também cresce quando o médico ao fazer a sub-contratação percebe que pode buscar grupos de profissionais com um salário reserva bem abaixo do seu. E geralmente os encontra nas salas de aula das universidades públicas e privadas. Os alunos, que, não podem atuar como médicos, possuem um  custo de oportunidade bem abaixo dos já formados. E, portanto, aceitam qualquer remuneração para prestar os serviços que o grupo que delega, já não aceita.

Na prática, então, sem algum controle, e com uma política de remuneração não correlacionada com a habilidade do indivíduo, os profissionais mais habilidosos e mais exigentes, portanto, com a remuneração abandonam o serviço público, exatamente por esta não ter uma política de pagamentos baseada no mérito. E, assim, mesmo sem abandonando de fato o emprego - vai que fará falta - acabam por facilitar a entrada ou de recém formados ou de ainda universitários na prática médica que deveria ser exclusiva de profissionais gabaritados.

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