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Sobre o Dólar e as oportunidades da política cambial

Felipe Bezerra perguntou: 
Oi Prof.
Ouvi hj no FT sobre o dólar e como se desvalorizou em relação a moedas mais fortes, mas manteve o mesmo nivel contra moedas mais fracas. Queria saber se vc pode falar no blog alguma coisa sobre a desvalorização da moeda como forma de fortalecer a economia. O que o Japão esta tentando fazer agora, a Suécia fez na década de 90 e o que os PIGS não podem fazer pq estão amarrados no Euro. Rolaria um post sobre isso?
O link pra o podcast: http://podcast.ft.com/rss/57/
Abraço!
Resposta:

Antes de tudo, Felipe, gostaria de agradecer sua pergunta e lhe convidar a contribuir sempre que quiser.

Agora à sua resposta. Estou viajando, por isso estou sem meus livros que são fontes de consulta e que me norteiam sempre nos meus posts, mas tentarei responder o melhor possível.

Mesmo sem poder olhar o podcast, pois o link pareceu vir corrompido quando eu tentei abrir, quero dizer que a afirmação de que o dólar se desvalorizou em relação a moedas "mais fortes" é verídica. Contudo, preciso explicar primeiro o que significa moeda "mais forte". São moedas que historicamente possuem uma cotação relativamente estável frente às outras moedas. Como elas fazem isso? Bom, tocando sua política monetária com austeridade, respeitando, então, a capacidade do mercado em absorver um aumento da base monetária sem gerar pressão inflacionária. Os PIGS estão dentro da zona do Euro, e por isso não tem mais a capacidade de fazer expansão monetária, o que no curto prazo, poderia ser uma alternativa de política anti-cíclica. Na minha opinião eles aderiram ao Euro sem fazer o devido ajuste fiscal, e agora pagam o preço pela sua leniência.

No padrão ouro que funcionava com a libra esterlina, muitos países passaram a lastrear suas moedas em libra. Sendo assim, até antes da Primeira Guerra Mundial a Libra era o numerário universal. Com o acordo de Bretton-Woods, se convencionou adotar o dólar, agora como moeda fiducial (i.e. sem padrão ouro), como o novo numerário da economia mundial.

Sendo assim, os Banco Centrais mundiais passaram a lastrear sua emissão monetária em dólar. Após o fim do Bretton-Woods com a primeira crise do petróleo, as autoridades monetárias passaram a trabalhar com regime de câmbio flutuante, deixando o mercado apregoar o valor de suas moedas. Ou seja, uma moeda tem seu valor definido através da iteração entre ofertantes e compradores. Entretanto, o único ofertante deste mercado é o próprio Banco Central.

Os EUA com relação a sua política monetária pós-crise de 2008 estão fazendo uma forte expansão, mais ou menos 85 bilhões por mês são injetados na economia americana, via compra de títulos públicos. Porém, como sua base monetária é gigantesca, e tem o mundo inteiro como mercado, esse movimento de expansão não promoveu um aumento da inflação nos EUA (que está na casa de 1% ao ano).

Não houve pressão monetária, também, porque o consumo nos EUA no período pós 2008 estava retraído, havia capacidade ociosa. Porém, ao expandir a base, a inflação, que é a perda de valor da moeda, faz com que o dólar se desvalorize frente às outras moedas. Isto é um movimento natural.

No caso brasileiro, o Governo fez o mesmo que os EUA, contudo, há uma grande diferença entre as duas economias. A primeira delas, e maior, é que nossa capacidade de absorver aumento da base monetária, sem gerar pressão inflacionária, é infinitamente menor. Nossa moeda tem aceitação apenas no mercado interno, e em alguns países do Mercosul (Argentina, Uruguaia, Paraguai). A segunda é que em 2008 estávamos em pleno emprego, o que por si só já desqualifica qualquer medida de política expansionista, ainda mais em se tratando de política monetária. A resposta será inflação interna.

Já em relação à cotação do Real frente ao Dólar, tem-se um terceiro motivo. Nosso mercado passou a se fechar mais, temos menos entrada de Dólar, com isso sua cotação aumenta. E, temos saída de dólar, com um aumento cada vez maior de brasileiros consumindo no mercado americano, porque lá os produtos terem preços justos, diferente do Brasil.

Com relação ao Japão sua expansão monetária tem fins de incentivar o consumo interno. Mas, no meu entendimento, o Japão chegou ao seu Estado Estacionário, e não houver um choque de produtividade/tecnológico, grande parte dessa expansão monetária acabará entesourada nas poupanças dos japoneses.
 

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